António Fontinha era um contador de histórias, a quem contaram histórias antes de adormecer. "(...) Durante muito tempo ele lembrou-se dessas histórias e durante muito tempo esqueceu-as, como fazem as pessoas quando acham que chegam a adultos".
Eu, só quero deixar aqui as minhas histórias, de ontem, de hoje e, quem sabe, de amanhã.

10 agosto 2006

O Açude

"O que faz um manageiro?", pergunta quem não sabe. Agostinho responde, mas só por ele e sem hesitar: "Nadinha de nada", de tal modo que nem há "vagar para uma sesta", assegura sem esperar que os outros troquem esse "nada" por miúdos.

Este é um excerto de uma estória que não é minha, mas que vale a pena ler (o link está lá em baixo). Estórias ainda actuais, mas cada vez mais em desuso e que me fazem lembrar quando eu era miúda e acompanhava os meus avós que faziam a sua vida toda no campo. De manhã, bem cedo, ainda antes de o calor se começar a sentir, já estávamos todos em cima do burro e das suas albardas. Quem trabalha nos campos sabe que é de manhã que se começa o dia e, já dizia o ditado: "deitar cedo e cedo erguer, dá saúde e faz crescer", e assim foi minha infância. A memória já me começa a falhar, mas acho que o meu avô ficava encarregue de levar o burro pela mão e, tipicamente daquele tempo, a minha avó ia atrás, com a alcofa onde levava o parco almoço, mas onde não faltava a "pinguinha" para o meu avô. O Açude era o destino. Agora é um campo de paintball abandonado. As terras ali ao lado também já não são amanhadas.
Uma cabana, ao estilo madeirense, feita de canas, dava-nos o abrigo nas horas de Sol e era também onde dormíamos a sesta depois do almoço, em cima de umas tábuas corridas colocadas nos lados da cabana. Ao fundo, jaziam os baldes, pás, sacholas, sacas, sementes, foices, ancinhos, ... Nos bolsos das calças ruças e gastas pela lavagem com sabão azul e branco no tanque de pedra ou da bata esgarçada estavam os mais pequenos objectos, como o canivete com que se cortava o pão ou se descascava a fruta, qual MacGyvers da altura, que a qualquer altura podiam fazer falta. Em cada bolso, um lenço para limpar o suor.
Todos os dias nos sujávamos. Volta e meia aparecia uma cobra, gigante para nós, que o meu avô matava com a sua enxada e lá ficava em exposição para gáudio dos netos. Os morangos eram apanhados do chão e iam directos para a boca. Os produtos naturais não precisam de ser lavados. Crescemos ali, sempre a comer os frutos da terra.
Às vezes, sobretudo em épocas de mais trabalho, como da apanha da batata, ou em aniversários, a família juntava-se toda no Açude e era uma grande festa. Agora, com a morte da matriarca, encontramo-nos muito pouco, e tudo mudou. Mas esta não é uma estória triste. É uma estória duma grande família unida, que nem a distância abalou.

Despir as árvores em S. Domingos

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