António Fontinha era um contador de histórias, a quem contaram histórias antes de adormecer. "(...) Durante muito tempo ele lembrou-se dessas histórias e durante muito tempo esqueceu-as, como fazem as pessoas quando acham que chegam a adultos".
Eu, só quero deixar aqui as minhas histórias, de ontem, de hoje e, quem sabe, de amanhã.

05 novembro 2006

Viagem silenciosa

Mais de uma semana passou desde então. A viagem já estava combinada desde o início do mês, a companhia é que era incerta. Dias antes, ele disse-me que tinha convidado os pais para vir connosco. Eles nunca saem de casa... e sempre nos fazem companhia. Primeira paragem, cinco minutos depois de os termos apanhado, com mais de 15 minutos de atraso, ela pede-me para lhe comprar umas revistas para se entreter a ler na viagem. Ele quer os jornais despostivos. Duas horas e uns minutos mais tarde a primeira paragem. Desentorpeçamos os pernas, esticamos o corpo, espreguiçamo-nos sem ninguém ver e lá vamos nós ao encontro de quem espera por nós. Dois dedos de conversa, umas compras extra e a encomenda arrumada na bagageira pronta para a viagem. Uns metros mais `frente, mais uma paragem. Estava na hora do almoço mas o restaurante, apesar de pouco comum para a época, estava fechado. Seguimos caminho. Decidimos fazer um desvio e ir a uma vila histórica de Portugal – afinal sempre era um passeio e havia que aproveitar o facto de eles nunca sairem de casa. Com a Feira de Antiguidades a decorrer, a vila estava mais movimentada que o habitual, nos parcos restaurantes uma hora ou mais de espera, razão mais que suficiente para estranhar o facto de naquela Adega haver mesa para quatro. Mal nos tínhamos sentado e já se ouvia a D. Cândida, que só mesmo de nome, a praguejar alto e bom som com o jornalista que dava as notícias da uma. O empregado bem lhe chamou a atenção para o facto de os clientes assim se irem embora, ao que respondeu prontamente que a ideia até não erá má, porque sempre eram menos a comer. Será que nos tínhamos enganado na porta e afinal aquele não era um estabelecimento comercial onde se podiam degustar as iguarias típicas da zona? Alguns minutos e outras confusões depois – com a D. Cândida a preferir dar lugar a um casal em vez de oito pessoas, porque a mesa era só para seis e depois era uma grande confusão com as cadeiras -, vem o empregado dizer que as cozinheiras se tinham despedido, mas que antes ainda tinham feito a nossa comida (o português tem sempre sorte). Agora era só esperar pelas novas ajudantas que estavam para chegar a qualquer momento, enquanto os mordazes comentários da D. Cândida nos chegavam da outra sala. Nãh... vamos mas é embora enquanto temos escapatória. Rumo? Sair deste fim de mundo o mais depressa possível. Uns km mais à frente, um novo restaurante, este com ar de servir bodas de casamento e baptizados. Ele a uma ponta, o pai, eu e a mãe, por esta mesma sequência, se bem que não era ele a uma ponta porque a mesa era redonda, daquelas que normalmente escolhemos quando vamos a um restaurante chinês com os amigos. Mesmo a puxar à conversa. Eu com ele era mentira, mas também com um plasma ali mesmo à frente a dar o Grande Prémio de Motos, já era de prever que as palavras continuassem a ser quase tantas como as que proferimos durante as cinco horas que entretanto se passaram. E dou por mim a pensar como é que ao fim de tantos anos de infelicidade em conjunto não há quem tome uma decisão, por mais difícil que ela seja? Ou será que o amor assume dimensões tais que pode chegar a este estado de desinteresse e de não partilha total?
Ainda hoje penso que se tivessemos convidado um casal de mudos, a viagem teria sido bem mais animada.

10 agosto 2006

O Açude

"O que faz um manageiro?", pergunta quem não sabe. Agostinho responde, mas só por ele e sem hesitar: "Nadinha de nada", de tal modo que nem há "vagar para uma sesta", assegura sem esperar que os outros troquem esse "nada" por miúdos.

Este é um excerto de uma estória que não é minha, mas que vale a pena ler (o link está lá em baixo). Estórias ainda actuais, mas cada vez mais em desuso e que me fazem lembrar quando eu era miúda e acompanhava os meus avós que faziam a sua vida toda no campo. De manhã, bem cedo, ainda antes de o calor se começar a sentir, já estávamos todos em cima do burro e das suas albardas. Quem trabalha nos campos sabe que é de manhã que se começa o dia e, já dizia o ditado: "deitar cedo e cedo erguer, dá saúde e faz crescer", e assim foi minha infância. A memória já me começa a falhar, mas acho que o meu avô ficava encarregue de levar o burro pela mão e, tipicamente daquele tempo, a minha avó ia atrás, com a alcofa onde levava o parco almoço, mas onde não faltava a "pinguinha" para o meu avô. O Açude era o destino. Agora é um campo de paintball abandonado. As terras ali ao lado também já não são amanhadas.
Uma cabana, ao estilo madeirense, feita de canas, dava-nos o abrigo nas horas de Sol e era também onde dormíamos a sesta depois do almoço, em cima de umas tábuas corridas colocadas nos lados da cabana. Ao fundo, jaziam os baldes, pás, sacholas, sacas, sementes, foices, ancinhos, ... Nos bolsos das calças ruças e gastas pela lavagem com sabão azul e branco no tanque de pedra ou da bata esgarçada estavam os mais pequenos objectos, como o canivete com que se cortava o pão ou se descascava a fruta, qual MacGyvers da altura, que a qualquer altura podiam fazer falta. Em cada bolso, um lenço para limpar o suor.
Todos os dias nos sujávamos. Volta e meia aparecia uma cobra, gigante para nós, que o meu avô matava com a sua enxada e lá ficava em exposição para gáudio dos netos. Os morangos eram apanhados do chão e iam directos para a boca. Os produtos naturais não precisam de ser lavados. Crescemos ali, sempre a comer os frutos da terra.
Às vezes, sobretudo em épocas de mais trabalho, como da apanha da batata, ou em aniversários, a família juntava-se toda no Açude e era uma grande festa. Agora, com a morte da matriarca, encontramo-nos muito pouco, e tudo mudou. Mas esta não é uma estória triste. É uma estória duma grande família unida, que nem a distância abalou.

Despir as árvores em S. Domingos

09 agosto 2006

Noite na Terra

Subiram vales e montes, desceram pela estrada esburacada e ainda empoeirada pelos camiões que por ali circulam durante o dia, que saem carregados de terra e pedras, onde um dia vai surgir um novo espaço verde, onde as crianças vão poder brincar à vontade, longe da estrada, longe da confusão, mas perto do olhar atento dos avós e também dos olhares indiscretos dos vizinhos, que nem fazem por esconder o olhar de esguelha com que tentam perceber quem tem roupa nova, quem foi ao cabeleireiro e quem se dá com quem, para a seguir poderem minar este campo de intrigas e desavenças.
Desceram e foram dar a uma estrada secundária. Era de noite e tinham de circular com cuidado. Não havia vivalma àquela hora. Rumaram pela estrada principal, fizeram um pequeno desvio e voltaram a subir. A respiração estava cada vez mais rápida, mas não pararam um instante que fosse. À medida que avançavam para o centro, as pessoas tinham saído à rua, o calor dentro de casa torna o ar irrespirável, e as esplanadas estavam animadas. Continuaram a descer e, a acompanhar o fretenir das cigarras, só se ouvia o chiar dos pneus enquanto travava, ainda a medo, a sua bicicleta nova.
A volta nocturna estava feita. Voltaram a casa, refrescaram-se e envolveram-se nos braços um do outro, apesar do calor, até a manhã raiar.

O início

Tenho um amigo que gosta de arrumar cada coisa em sua gaveta e, assim, os blog’s vão surgindo à medida que as ideias mais engraçadas vão jorrando. Partilho dois com ele, um mais “apagado”, e partilho outro com amigos e conhecidos de tempos antigos. Agora, três meses depois, decido que quero ter uma nova “casa”, o meu espaço, onde me sinta à vontade e onde possa falar sem medo. Ainda assim, e porque o meu espaço acaba onde começa o espaço do outro, não vai haver fotos, nomes ou estórias completamente verídicas. Também não vão haver links (por enquanto) e os amigos não vão ser avisados deste novo espaço. Seja como for, seja bem-vindo quem vier por bem!