António Fontinha era um contador de histórias, a quem contaram histórias antes de adormecer. "(...) Durante muito tempo ele lembrou-se dessas histórias e durante muito tempo esqueceu-as, como fazem as pessoas quando acham que chegam a adultos".
Eu, só quero deixar aqui as minhas histórias, de ontem, de hoje e, quem sabe, de amanhã.

17 maio 2007

Eu sei e tu sabes que isto é o início…

Nota introdutória - o texto que se segue não era para ser publicado, não aqui. Mas como temi que o tivesse perdido e como depois de o reler já não parece ter assim tanto sentido quanto a ideia original, mais vale ficar aqui.

Subo a ladeira com o coração a querer saltar-me pela boca, um arrepio e uma sensação de desconforto apoderam-se de mim. Como no primeiro dia de escola, como naqueles momentos que antecedem o primeiro beijo entre futuros namorados, como quando a nossa mãe está no hospital, como quando assistimos a um espectáculo surpreendente em que o frio nos percorre a coluna. Assim é o dia-a-dia num misto de sensações que ora me deixam incrivelmente feliz e de bem com a vida, ora alternam com aquelas alturas em que nem o quarto, o tão sobejamente conhecido espaço de eleição, suporta tanta angústia e tristeza juntas.
Ao cimo da rampa avizinham-se as casas tão conhecidas de outrora. Nada mudou e o tempo parece que se esqueceu de aparecer por aquelas paragens. Estaciono. Ao lado, também dentro do carro, alguém, como eu, espera que o tempo avance. «Voltei a chegar antes do tempo», penso, mas é sempre assim, ou sempre foi assim, até aquele dia em que o horário a cumprir era mais importante que tudo o resto, nem a indumentária interessava, e cheguei atrasada. Pelo caminho a sms a informar o atraso, à chegada o olhar de soslaio de todos, que se riam por dentro com o facto de aquela menina certinha, que nunca se atrasava e fazia quase tudo com uma perfeição sem par, ter sido a última a chegar. O peso na consciência, o corar, a falta de jeito perante estas situações, apoderaram-se de mim e, mais uma vez, tal como acontecia há dias, o sentimento de ser sempre a segunda escolha falou mais alto e instalou-se de pedra e cal no subconsciente. Nem o apoio transmitido nas breves palavras sobre outro tema ou o olhar que me dizia «está tudo bem», me acalmaram. O dia foi longo, mas não foi o pior de todos e já passou.
Ouço as últimas notícias e deixo o carro para trás. Um admirável mundo novo estava à minha frente, e nem aqui o peso do tempo se fez sentir tanto quanto imaginava.

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